Futuro ancestral é o mais recente livro do filósofo, indígena brasileiro e mais novo membro da academia brasileira de letras, Airton Krenak. De forma breve e resumida, ele tenta nos alertar para o fato de que a saída para salvarmos o planeta (e consequentemente as nossas vidas) está na recolocação da natureza em nossa vida comum. Esse distanciamento que a vida normativa fez da “selva”, essa “civilidade” a que fomos submetidos, com o pano de fundo de “desenvolvimento”, é uma das maiores perversidades a que fomos submetidos, e que faz com que ignoremos não só nossas origens como a matéria que nos constitui - tudo isso com a justificativa de “evolução”. É nessa selva de pedras que fomos jogados, é nessa “concretização da vida” – onde literalmente colocamos concreto e massa em tudo -, é nessa falsa higienização – que nos mantem distante da “sujeira” que nos constitui – que vamos perdendo nosso posto de humildade e de humanidade diante da vida. Precisamos, urgentemente, retomar o nosso lugar no cosmos e fazermos as pazes com a natureza e, principalmente, “devolvermos” à ela um lugar que nunca foi nosso, o de protagonismo.
Em Relatos de um Peregrino Russo, de autor desconhecido, temos uma pequena obra de arte. Narrado em primeira pessoa, e como o título já anuncia, temos a história de um peregrino que vaga pelo mundo em busca de encontrar uma espécie de paz interior e de serenidade da alma. Através dos ensinamentos bíblicos e da Filocalia (livro que ensina a orar) nosso personagem se depara com várias pessoas que vão lhe fornecendo ensinamentos importantíssimos e lhe submetendo a algumas provações e dificuldades, que incentivam ainda mais o despertar de sua espiritualidade. O livro é gostoso de ler e faz refletir muito.
O conceito de angústia é um livro difícil, não é para iniciantes. Mas é de fundamental importância para quem quer introduzir o pensamento de um dos filósofos mais influentes para algumas ideias psicanalíticas. Neste livro, Kierkegaard vai propor a discussão de que, ao contrário do que o mundo contemporâneo pensa, a angústia está encarnada em nossa condição desde as origens dos tempos. O ser humano é atravessado por essa angústia e não há meio de livrar-se dela. Aliás, a proposta é justamente a oposta: de que a angústia seja abraçada e utilizada como movimento de vida, e não feito da forma que é atualmente, onde se remedia toda e qualquer angústia como se fosse uma força externa que se apoderou do organismo e que precisa ser imediatamente eliminada. Eliminar com a angústia é matar com a vida. Precisamos, sim, encontrar meios de nos colocarmos em movimento a partir dela. Jamais tamponá-la. E por que a angústia existe desde as origens? Porque, ao contrário dos animais, a nossa condição de escolha e incerteza traz subjacente a angústia da responsabilização sobre o rumo que a vida toma.
O mais novo livro do renomado filósofo contemporâneo Byung-Chul Han vai criticar a superficialidade da era atual. Lembra um pouco o que o sociólogo Bauman já se propunha a fazer. O título “não-coisas” se refere ao fato de estarmos transformando tudo em objetos desprovidos de maior ligação íntima, afetiva, sem significado. Exatamente em todas as esferas vamos nos ligando a coisas e situações que simplesmente não nos tocam, não deixam marca, não criam raízes alguma. Em um trecho do livro ele narra uma lembrança bonita que estabeleceu com uma máquina de música e que a compra daquele aparelho lhe permitiu que se reconectasse com coisas muito valiosas para si mesmo. Mostrando assim que os objetos, ao serem introduzidos em nossas vidas a partir do afeto, ganham um outro status e lugar e que conversa com o nosso modo de ser e fala daquilo que de fato somos. Diferente dessas "coisificação" do mundo moderno.
Um dos temas mais abordados no mundo psi atualmente é a capacidade de se estar presente nas situações. Grande parte do sofrimento contemporâneo parte dessa dificuldade da cabeça estar onde o corpo está! Nessa obra o autor vai justamente tecer elogios a essa capacidade que só os gatos parecem ter: de se contentarem com a vida que levam, sem necessitar de nada mais do que aquilo que estão vivendo. Isto, segundo o autor, parece despertar uma inveja tremenda nos humanos, que estão sempre se movimentando em busca de algo e abdicando de viver as situações cotidianas. Para Gray, então, o sentido da vida só poderia advir dessa capacidade de não fugirmos da vida diária e de tudo o que ela tem a nos oferecer. E nesse sentido, os felinos teriam muita coisa a nos ensinar.
Este livro é uma espécie de homenagem que Nietzsche faz ao pensamento e ao pensador Schopenhauer. Não deixa de enumerar elogios ao autor que lhe fez pensar nas grandes questões humanas. A principal delas: tornar o mundo todo potenciais filósofos. Ou seja, ensinar as pessoas da importância de pensar de forma crítica e autônoma sobre as grandes questões existenciais e da própria condição humana. Porque, somente assim, tornaríamos capazes de possuir algum grau de liberdade frente aos condicionantes sociais que atravessam a cada um de nós e moldam as nossas condutas diárias.
Este livro é uma conferência que o autor proferiu no ano de 1945 como forma de responder às duras críticas que o existencialismo vinha sendo alvo. Os embates aqui são bastantes duros e encalorados. Havia toda uma percepção de negativismo diante das posições do autor, que defendia que o ser humano é inteiramente livre e que, por isso, precisaria se responsabilizar por tudo aquilo que fizer e que lhe acontecer na vida. Não acreditava numa essência inata do ser humano e, nesse sentido, cunhou a famosa frase "a existência precede a essência". Ou seja, primeiro precisamos experienciar a vida para nortear os caminhos que vamos percorrer. Numa cultura que prezava muito a existência de um Deus que tudo sabe, o existencialismo de Sartre causava muita indignação por colocar o próprio ser humano no centro da própria vida. Corroborar com o existencialismo é assumir e não se acovardar diante da vida, assumindo que você é inteiramente responsável por tudo que lhe aconteça, sem ficar atribuindo justificativas a situações externas. Uma postura nada fácil, mas, ao mesmo tempo, extremamente libertadora. Para o autor, tudo que vai ao contrário disso seria uma espécie de conduta de má-fé. Uma bela porta de entrada para quem quer se aventurar numa vida mais existencial e menos regida por leis e influências externas.
Quase um manual de vida! Em poucas páginas (que podem ser lidar numa tacada só), o autor esbraveja toda a sua ira diante de regramentos sociais que não condizem com as necessidades humanas que todos nós carregamos. Quase como um típico livro de auto-ajuda (Deus dera que os livros de auto-ajuda modernos tivessem 10% da sabedoria contida aqui), o autor vai elencar, enumerar, algumas ideias sobre como viver de forma o mais íntegra e conectada com a própria essência de cada um. Como sempre em suas obras, vai defender a ideia de estamos inteiramente conectados a nós mesmos, distanciados da influência do mundo externo. E para que isso seja possível a solidão se faz extremamente necessária. Não só para cultivarmos um espaço de sabedoria em nos conhecermos como para entendermos aquilo que somos, aquilo que faz sentido para cada um de nós e a qual caminho seguirmos. Uma leitura prática, rápida e extremamente prazerosa.
Neste pequeno livreto de bolso, o autor promove duras críticas a toda forma de cultura que perpassava a sua Alemanha e que, de certa maneira, direciona todos os nossos afazeres na vida. Como é característico da sua escrita, não poupa nas palavras e vai partir para a ignorância, indignado, com a quantidade de besteiras que era produzido pelos autores da sua época (imagina se vivesse em nossos tempos...). Sem dúvida, uma das questões mais marcantes dessa obra é o posicionamento frente ao alienamento do mundo diante da busca de conhecimento racional. Para ele, o verdadeiro conhecimento só pode surgir, intuitivamente, dentro de cada pessoa. Não ler, nesse sentido, é tão ou mais importante quanto ler! Pois, a busca massiva de informações pode ocultar e tamponar a originalidade e a criação do pensamento e de uma vida própria. É importante que não sejamos meros reprodutores de opiniões alheias, mas que utilizemos a nós mesmos como referência de vida e do que buscar em nossos cotidianos.
No "Recuperando a vida não vivida", Ogden nos presenteia com toda a originalidade e criatividade do seu pensamento e da sua forma de fazer clínica. Utilizando como ponte de ancoragem autores como Winnicott e Bion, vai mostrar a importância do analista estar consciente das próprias limitações e sempre aberto para se deixar impactar pelo paciente e pela sua própria intuição. É na relação entre os dois (paciente e analista) que aspectos dessa vida que não pode ser vivida pelo paciente (e que aguarda ansiosamente por desabrochar) poderá se atualizar. Para isso, se faz necessário que o analista esteja lidando ativamente com a sua própria vida não vivida. Um livro complexo, com muitos detalhes, e que qualquer reflexão que se pretenda não generalista sucumbirá vergonhosamente. É preciso ler!
Um dos autores winnicottianos que mais me encantam. Além de demonstrar uma sensibilidade ímpar, discorre conhecimento sobre obras e autores psicanalíticos e que, teoricamente, não seriam da sua alçada. Nessa sua nova obra, vai propor uma espécie de ode à desistência. Em uma cultura que preza o tempo todo por "nunca desistir", numa lógica utilitarista e maníaca, Philips vai mostrar a importância de nos permitirmos ser guiados pela flexibilidade do nosso desejo. Sem regras e a rigidez de nos deixarmos ser invadidos pelo "ter que ser" cultural, propõe a hipótese de que o que está subjacente a toda essa dificuldade em abrirmos espaço para o novo acontecer é, na verdade, um apego à tradição, ao familiar. Uma espécie de covardia que nos mantém sempre fixados a uma vida "morta", muito mais zelando pela nossa sobrevivência do que vivendo de fato. Um livro memorável! Com certeza um marco na literatura psicanalítica.
"O que estamos vivendo pode ser a obra de uma mãe amorosa que decidiu fazer o filho calar a boca pelo menos por um instante. Não porque não goste dele, mas por querer lhe ensinar alguma coisa, 'filhom silêncio.' A terra está falando isso para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que não dá uma ordem. Ela simplesmente está pedindo: 'Silêncio'. Esse é também o significado do recolhimento." (p.6)
Escrito por um dos maiores pensadores brasileiros da atualidade, em meio à pandemia da covid 19, este pequeno livro traz reflexões profundas sobre a nossa contribuição direta em todo mal que faz parte do mundo em que vivemos. É muito nítido o quanto somos agentes ativos em destruir tudo que está a nossa volta e o quanto o modo de funcionamento neoliberal vem produzindo catástrofes de dimensões abismais em nossas vidas. Precisamos urgentemente introduzir em nossas vidas pessoas e modos de vida que levem em conta a filosofia de vida dos povos ancestrais. Com nosso ritmo de vida acelerado, estamos acabando com tudo que está ao nosso redor, sem sequer nos darmos conta. Leituras como essa são fundamentais para melhorarmos as condições do planeta e para vislumbramos a possibilidade de um futuro. Leiam tudo que o Krenak escreve, para que assim possamos nos posicionar de maneira mais humilde diante da vida!
"(...) os analistas são insuportáveis porque vão contra as identificações. Se alguém se diz analista hoje, é porque foi marginal em algum momento. Quando os analistas brincam entre si dizendo que são os fracassados da psiquiatria, é no sentido de que, sendo marginais, não conseguiram fazer parte da psiquiatria. E não conseguem ficar juntos entre si porque são marginais, estão à margem das soluções coletivas." (p. 145)
Tenho me encantado bastante com as obras do Forbes. Esta, em específico, vai abordar toda a complexidade do trabalho clínico em psicanálise. Ao longo do texto ele vai fazendo várias correlações entre a cultura e o trabalho analítico, trazendo exemplos clínicos e da vida cotidiana para embasar as suas teses. Uma leitura não muito fácil, mas de extrema importância para a compreensão do fazer clínico contemporâneo. A espontaneidade com o que a escrita se desenrola aqui, traz uma vivacidade ao texto que é próprio da proposta da psicanálise.
(...) é impossível aprender uma coisa que a gente acha que já sabe. (...) quanto mais ignoramos o que não sabemos que não compreendemos, mais desconhecemos que existe um inconsciente que age sobre nós e mais vítima dele nos tornamos." (p.32)
(...) quando tudo se torna urgente, nada mais é urgente, e recorremos assim à dessensibilização, ao torpor da isenção emocional, à desafetação como método reativo de autoproteção. Naturalizamos os absurdos para preservar uma certa homeostase psíquica, porque o importante é jamais paralisar." (p. 115)
(...) nem tudo que é anterior ao hoje se configura como passado. Algo que foi vivido ou não vivido, três ou trinta anos atrás, pode estar operando até hoje, reverberando em nossos atos e pensamentos e, com sorte, escorregando para a nossa fala em um contexo de análise. É nesse desarranjo que se cristaliza um conflito psíquico. É por esse motivo que entramos em dissonância com algumas partes de nós mesmos e com a realidade externa." (p. 185)
Uma obra de um autor contemporâneo e que vai abordar, através da psicanálise, questões contemporâneas e culturais. Vai se propor a sair da clínica para pensar o mundo atual e as suas diversas facetas. Traz um apanhado geral sobre as bases da teoria psicanalítica e de uma maneira simples, clara e objetiva busca desmistificar algumas velhas discussões do campo analítico. Se esforça para produzir uma leitura moderna e original da teoria, refletindo sobre aspectos novos, porém, deixa a sensação que é somente mais um psicanalista fazendo o mesmo tipo de análise que estamos acostumados a ver. Por mais que possa haver traços de modernidade e desapego na sua construção, acaba caindo sempre no velho clichê Freud/Lacan. Ou seja, respostas velhas para problemas novos, mantendo a saga de um certo ortodoxismo que toma conta dos consultórios psicanalíticos.
Um dos poucos livros de auto ajuda que eu recomendaria como leitura. Acho ele bastante honesto ao que se propõe: fazer com que as pessoas olhem menos para o seu próprio umbigo e façam aquilo que precisa ser feito. Erra feio quem acredita que vá encontrar nessa obra uma ode ao ego. Não se trata de não estar nem aí para o que os outros pensam a seu respeito (tem a ver com isso também), mas a ideia principal é a de que possamos olhar para a nossa imagem e as nossas buscas na vida com uma maior leveza, tolerando e suportando aquilo que de fato somos. E isso, ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, envolve muita responsabilidade e comprometimento consigo mesmo. Penso que aí o próprio título traga uma conotação à obra que não condiz com o nível de assertividade com que ela aborda a questão. Ou seja, o conteúdo do livro me parece bem mais sério do que o título faz parecer.
"(...) discurso preguiçoso da psiquiatria contemporânea, que já não se esforça em captar a particularidade das estruturas clínicas, limitando-se a classificar as doenças com base em uma classificação sumária de sofrimentos." (p. 28)
"(...) o diagnóstico não expressa necessariamente os fatos em si, mas o pensamento médico... (...) fora da clínica o diagnóstico não tem sentido psicanalítico". (p. 50)
"Se no século XX falava-se que a psicanálise era o tratamento do passado, hoje devemos dizer que ela é o tratamento do futuro. Antes, uma pessoa procurava um analista com a ideia clara do que queria obter, relatando as dificuldades em fazê-lo. Hoje, uma pessoa procura um analista por não saber o que fazer diante da multiplicidade de escolhas possíveis. É enganoso pensar que uma pessoa deve fazer análise para se conhecer melhor. Isso existiu na sociedade passada. (...) A questão atual é muito mais o limite do saber do que o seu aprofundamento. Sendo que todo conhecimento necessário para uma escolha ou para uma tomada de decisão é incompleto, a questão ficando sendo reconhecer o limite e poder suportar a aposta necessária provocada por esse saber incompleto. Não existe decisão sem risco." (p. 36)
Um dos livros que mais me impactou, principalmente pela sua originalidade, nos últimos anos. Forbes propõe aqui a ideia de uma segunda clínica lacaniana, atenta a responsabilizar o paciente perante o seu discurso e as suas elucubrações no tratamento. Diferente da primeira clínica (freudiana), o insight, as interpretações, as elaborações estão em um plano subjacente a ideia de se apoderar do próprio discurso e da própria vida. Estabelece a proposta de "desabonar" o inconsciente. Ou seja, não permitir que o sujeito seja tomado pela sua história e pelos seus próprios fantasmas. Mas "encarnar" a autoria sobre aquilo que diz, fala, e responsabilizar-se por. Utiliza ao longo da obra algumas falas de Lacan para exemplificar, levando a questão às ultimas consequências. Diante de uma fala queixosa onde o paciente diz "eu sou mesmo uma besta", o analista responderia "não é porque você diga que você não seja". Dando a entender que o sujeito precisaria se responsabilizar por aquilo que diz e bancar o saber construído numa fala aparentemente "banal" e que teria como único intuito uma justificativa inicial sobre a própria condição. Em um mundo marcado pelo vitimismo e pela irresponsabilidade no rumo que toma a própria vida, seria interessante nos perguntarmos: se tudo é culpa dos pais, cabe ao sujeito o quê? "Ah, se eu não tivesse tido pais tão escrotos..." comentaria o paciente, e o analista complementaria "... significaria que você teria sido menos [escroto]?"
Um conto publicado em 1911 pelo genial Lima Barreto. Através da história de um oportunista que não mede esforços para se dar bem em cima dos outros, denuncia a hipocrisia das classes mais abastadas no país. É um crítica irônica sobre o que ele mesmo vivenciava em sua vida, em meio a exclusão que vivia por sua cor e raça, e pelos privilégios que percebia ao seu redor.
Uma obra extremamente longa e que exige uma paciência enorme de quem se aventura nessa história. Levei mais de seis meses para conclui-la. De forma resumida, temos o personagem principal "internado" em uma espécie de "retiro" para se tratar de uma suposta doença. Neste "retiro" encontram-se pessoas que, por algum motivo, adoecem quando inseridas na vida cotidiana "normal". O "ar" das montanhas, por si só, parece curador. Há ali algo de especial que não existe no mundo social, nas cidades mundanas. São diversas reviravoltas durante toda a obra (pessoas que deixam as montanhas por motivos de falecimento, outras que supostamente estariam curadas, outras que saem e acabam retornando - por voltarem a adoecer quando inseridas no mundo social). Neste lugar as pessoas simplesmente se alimentam, descansam, se cuidam, conversam, passeiam e aproveitam as belas paisagens e alterações climáticas. O tempo ali parece passar de uma forma desprovida de qualquer lógica mundana, onde meses voam sem ninguém sequer se dar conta, Enfim, é uma obra que fala sobre o tempo, sobre a vida, sobre o sentido das coisas. Mas me parece que cabe à ela inúmeras interpretações, sendo que cada leitor tem a rica possibilidade de "assisti-la" atravessado pelas próprias questões afetivas que vive no momento exato em que lê ou relê a obra.
[Artigo] A cibernética do "self": uma teoria do alcoolismo (Gregory Bateson) - 1971
Vai discutir e mostrar a importância dos AAs no tratamento dos alcoolistas. Cita os fundamentos básicos que constitui esse tratamento e quais os princípios de sua cura. Dentre os fundamentais estão a aceitação da impossibilidade do doente controlar a si mesmo e a própria vontade. É preciso ter a humildade em se assumir impotente para lutar contra a doença. É só a partir dessa posição de aceitação e "entrega dos pontos" que uma real transformação de posição pode ocorrer e um trabalho acontecer. Um trabalho extremamente rico e complexo e que tem ainda hoje como pilar de sustentação os AAs no tratamento do alcoolismo.
[Artigo] O pensamento freudiano sobre a intolerância (Betty Bernardo Fuks) - 2007
Este artigo vai se propor a pensar o texto freudiano "o narcisismo das pequenas diferenças" refletindo sobre a intolerância dos nosso dias. Conclui que a intolerância a tudo aquilo que é diferente de mim está nas bases de todo e qualquer fundamentalismo. É como se o medo, o receio, de que eu pudesse vir a me perder no outro, trouxesse a necessidade de eliminação do outro. Assim como aconteceu com o nazismo na época de Freud, e com o racismo e a homofobia nos tempos atuais, há a necessidade de uma certa hegemonia que me coloque no centro do universo e corrobore a própria imagem que tenho de mim mesmo. Qualquer outro, diferente de mim, colocaria a minha imagem de mim mesmo à prova, tamanha a fragilidade egóica que carrego. Estes também seriam os fundamentos históricos em torno do machismo, onde a imagem da mulher castrada me lembraria da minha própria incompltude e fragilidade. Logo, preciso me livrar desse ser que me atormenta e que promove um rasgo na minha imagem de perfeição.
"(...) se tem uma coisa que todos os psicoterapeutas têm em comum, é que a especialidade do psicoterapeuta é buscar entender como valorizar a vida concreta sem precisar de uma transcendência. Ou seja, sem recorrer a valores externos à vida concreta do paciente. Sem esse princípio, você não tem psicoterapia; você tem uma forma ou outra de boçalidade. Boçal é o cara que quer que o outro goze do jeito que ele pensa que é certo. Todas as psicoterapias só têm esta ambição: buscar entender como, na vida concreta do paciente, é possível descobrir alguma coisa que a valorize; não fora da vida concreta do paciente, mas nela mesma." (p. 71)
"(...) os totalitarismos teriam menos chances de existir e de se consolidar se nós todos, rigorosa e sistematicamente, nunca achássemos graça nas piadas dos idiotas - nunca, mesmo, e sobretudo quando nossa cumplicidade for covarde, como quando a gente se força a rir para não se indispor com um chefe ou para não contrariar a expectativa de alguém que imaginamos mais poderoso do que a gente. Nada atrapalha um idiota tanto quanto a eventualidade de que, quando ele conta uma piada, nem todo mundo ache engraçado ou sinta a necessidade de rir com ele. Não achar graça é realmente um mecanismo fundamental de oposição ao grupo totalitário - a base do dissenso. " (p. 107)
"A distração é perigosa: à força de caminhar com o nariz enfiado na tela, podemos cair, sei lá, num bueiro. Mas talvez mais graves sejam as consequências menos concretas: com nossa atenção na tela, podemos sobretudo avançar numa vida cada vez menos interessante, uma vida que valeria cada vez menos a pena." (p. 117)
"Se as nossas vida fossem julgadas pela sua qualidade estética, eu estaria tendo uma vida feia ou uma vida bela?." (p. 128)
"(...) Existe muita gente desesperada pela feiura de sua vida, realmente, e é possível que as pessoas desesperadas pela feiura de sua vida recorram a qualquer esperança de transcendência: elas sempre afirmarão essa transcendência impondo-a aos outros." (p. 134)
Obra lindíssima deixada pelo autor após a sua morte. Nela vai percorrer temas que marcaram o seu fazer clínico. Questões importantíssimas que fazem refletir sobre o sentido da vida, e sobre as coisas que de fato importam, vão inundar o livro do começo ao fim. Calligaris, a meu ver, foi um gênio não só pelo seu trabalho como psicanalista, mas principalmente pela coragem e ousadia com que levou a própria vida e pela intensidade com que viveu. Esta obra é um último presente deixado para quem sempre acompanhou e se encantou com o trabalho que ele produzia. Como ele mesmo menciona, este é um livro para quem se dispõe a viver a vida intensamente.
Vai diferenciar neste artigo a psicanálise ontológica da epistemológica. A primeira teria como precursores autores como Winnicott e Bion. A segunda Freud e Klein. A primeira se distinguiria por uma preocupação em responder a questões que dizem respeito ao Ser. No processo terapêutico isso ocorreria não tanto no nível interpretativo, mas em poder viver com o paciente situações de angústia, de questionamento e contradições. É nesse registro, experiencial, que as mudanças poderiam acontecer e o paciente poderia se questionar sobre o que de fato é e o que tem a ver com ele, com o seu modo único e singular de ser e se portar na vida. Ao contrário, a psicanálise mais freudiana, ortodoxa, e que o autor nomeia aqui de epistemológica, estaria mais no registro do conhecimento, da interpretação, do esclarecimento intelectual. Diversos autores já emitiram essa mesma crítica à psicanálise mais clássica e do quanto esta poderia ser re-traumatizante para determinados pacientes. No entanto, o autor deixa claro que os dois modos definidos aqui se intercalam o tempo todo dentro de um processo terapêutico e que uma não existe de modo integral sem a correspondência da outra.
Muito bacana e disruptiva a teorização do autor, utilizando o trabalho de Thomas Ogden, e trazendo exemplos clínicos sobre a posição do analista frente ao paciente na condução do trabalho terapêutico. Utiliza aqui o conceito de terceiro analítico para descrever uma condição fronteiriça de produção que ocorre entre aquilo que o analista e o paciente dizem em sessão. É um campo extremamente criativo que ocorre no mundo interno do analista e que acaba antecipando intuitivamente aquilo que inconscientemente estaria se passando com o paciente. Um campo bastante fértil e que ainda precisa ser mais explorado.
Este é um famoso artigo muito utilizado nas aulas de psicologia, para os iniciantes na área clínica. Vai abordar as diversas facetas que envolvem o cuidado em relação aos pacientes, seja eles da área em que for... pais, professores, terapeutas, médicos, enfermeiros etc. Vai se ater à importância que é para o cuidador ter recebido os devidos cuidados no início de sua vida para que não acabe "metendo os pés pelas mãos" com o discurso de cuidar do outro. Muito dessa preocupação com o outro pode estar imbuído do mais puro narcisismo e tirania se as marcas desse cuidado não tiverem sido devidamente introjetados pelo cuidador em sua vida particular. Extremamente necessário para quem se aventura nessa empreitada do cuidado, coisa tão escassa no mundo contemporâneo.
Ao contrário da clínica psicanalítica clássica, a proposta deste artigo é comentar sobre a posição do analista diante de pacientes traumatizados. Mais do que qualquer intepretação e/ou intervenção o que importa aqui é a capacidade de suportar e sustentar a posição de testemunha e de validador de dores terríveis. O fato de poder narrar para alguém, alguém este que promova uma escuta atenta e acolhedora, por si só é terapêutica, em processo que, muitas vezes, são inelaboráveis, diferente da clínica neurótica "normal".
Vai refletir durante o período da pandemia sobre as diferenças dos atendimentos virtuais no tratamento de pacientes. Parece chegar a conclusão de que pacientes mais regredidos, distantes do perfil neuróticos, teriam mais dificuldades com o virtual em função de precisarem da presença psicossomática do analista. Mas não somente isso, pois o próprio fator virtual acabaria impedindo que o externo fosse blindado pelo setting terapêutico, proporcionado pelo consultório físico. Cita também a importância do analista, antes de qualquer coisa, estar intimamente em transferência com a psicanálise, pois esta seria uma condição primordial para que qualquer trabalho analítico acontecesse, seja ela no meio em que for. Ou seja, é preciso "amar" o método, no sentido de ter absolutamente solidificado dentro de si para que se possa conduz um tratamento através do seu viés. Enfim, pode-se concluir que a eficácia do virtual depende tanto do analista, como do paciente em questão, quanto da capacidade do externo ser isolado de qualquer interferência.
A famosa psicanalista vai desbravar neste curto artigo as três etapas que, para ela, constituem os transtornos depressivos encontrados na clínica moderna. Traz como gênese constitutiva de cada uma a relação inicial da mãe com o bebê; dependendo do tipo de relação/vínculo mãe-bebê se daria um tipo depressivo específico. Quanto maior for as limitações materna no cuidado da criança maior será a gravidade da condição depressiva.
Nesse famoso capítulo do psicanalista inglês temos uma hipótese interessante. Segundo ele, o colapso tão temido por alguns pacientes é o medo daquilo que já aconteceu em idades precoces, mas que não pode ser experiênciado. Ou seja, o acontecimento foi vivido sem a pessoa estar ali. Não seria a angústia de algo que ainda não foi vivido, mas daquilo que já fora vivido e do qual o paciente precisa se defender constantemente. O termo "colapso" é utilizado pois é o que mais próximo designaria algo que não se consegue nomear, de um oco, de um vazio que joga o sujeito numa posição indecifrável.
Um bonito artigo onde as autoras vão mostrando toda a importância (revolucionário) do trabalho clínico efetuado por Ogden. Ele vai prezar muito a posição "viva" que o analista precisa manter em sessão. Cita exemplo de um caso onde a paciente parecia mortificada, tanto na vida como no trabalho analítico, e a partir da vivacidade implantada pelo analista pode ressurgir. Todo o tempo é citado o quanto danoso pode ser para a dupla um trabalho exercido nos moldes ortodoxos e estereotipados da psicanálise clássica.
Contardo sempre foi honestíssimo e um tanto ousado em tudo o que se propunha a fazer. É o primeiro romance que leio dele e é incrível a sua capacidade em se desnudar diante do leitor. Não parece ter nenhum problema de se mostrar de corpo e alma e era dessa forma que parecia clinicar e levar a vida. Quem lhe conheceu conta exatamente dessa sua transparência em se apresentar com todos os defeitos e qualidades que possuía. Eu sempre achei isso maneiro e original demais. Esta obra, acaba por ser um fiel relato da sua incessante busca pela sua identidade. Seu desejo, claramente, é o que guiava todos os seus passos na vida.
Nesse artigo, curto e objetivo, o professor da federal do Pará vai relatar a importância da prática da paciência tanto para o clínico como para o paciente. Para isso, vai passar brevemente por algumas importantes obras freudianas. Uma das questões que mais me chamou atenção no artigo, foi a lembrança de que para Freud o intelecto seria uma defesa ao trabalho associativo que levaria ao inconsciente, coisa muito praticada nos dias atuais, onde, ao que parece, se fala tanto de Psicanálise para, enfim, não pratica-la.
Fruto da tese de doutorado do autor, vai buscar intercalar e compreender as motivações, tanto de Freud como dos analistas, para virem a se tornar psicanalistas e destinar uma vida para o outro. Durante toda obra vai buscando, de forma muito sensível, percorrer a literatura de Freud produzindo insights sobre vários aspectos que colocam seu próprio desejo de analista em questão. Não foge muito da questão sempre quintessencial quando se fala do "desejo do analista", que é da necessidade do apagamento do ser do analista para que uma certa neutralidade possa florescer e que os conteúdos do analisando possam ser destinados sobre ele. Vai criticar a noção de identificação com o analista, defendido em algumas correntes da psicanálise, e vai se perguntar: o que faz com que alguém se "submeta" a tamanha empreitada, sendo que isso significaria praticamente a destituição de si mesmo? Quem toparia tarefa tão inglória? Questionamentos que não produzem maiores respostas, sendo o "passe" lacaniano o movimento que responderia e produziria o analista.
Utilizando-se da analogia dos peixes barracudas, vai trazer um apanhado geral sobre o trabalho com pacientes (e principalmente famílias) difíceis. Àquelas que não deixam nenhum terapeuta "vivo". "Nadar" em águas justamente com essas famílias é tarefa árdua e que requer atributos bastante específicos daqueles que se arriscam nela. Para não se serem "devorados", os terapeutas precisam estar equipados de atributos que façam força e que sejam páreos para essas famílias. É sobre estes atributos que esta obra trata. De línguagem clara e fácil compreensão traz inúmeras contribuições para o fazer clínico, principalmente o psicanalitico. Apesar de ser um livro sistêmico, tem em suas bases conceituais a obra de Freud. Como se portar nas entrevistas inicias, a questão do pagamento, o encanto com a profissão, a relação entre vida pessoal e profissional do analista, o tédio nos atendimentos, são alguns exemplos de temas fascinantes que serão debatidos durante toda a obra. Um livro que li pela primeira vez na faculdade, há uns 10 anos, e que mexeu tanto comigo agora, relendo novamente, quanto da primeira vez. Será de imensa contribuição no trabalho clínico de todos os psicoterapeutas. O autor tem vasta experiência e muita credibilidade naquilo que diz.
Vai trazer para debate a visão ferencziana sobre as condições de um tratamento. Assim como para o paciente o essencial seria fazer associação livre, para o analista seria ter levado a sua análise o mais adiante possível, a ponto de desfazer as mentiras identificatórias da própria vida, fazendo com que o paciente possa destronar as suas. Aqui o conceito de mentira, ou desmentido, ganha lugar de destaque. No sentido de que o traumático de cada um promoveria uma dissociação da personalidade, mantendo o sujeito distante do núcleo de seu self. Como que ficando uma parte de si mesmo perdida (autotomia - metáfora do lagarto que deixa o rabo para o passarinho para poder sobreviver). O mais importante, para Ferenczi, não seria o acontecimento traumático em si, mas o desmentido, o discurso de encobrimento daquilo que aconteceu por parte dos outros adultos, onde se estabeleceria um laço de jamais tocar no acontecido, o que promoveria essa divisão do sujeito. É agindo nesta base "mentirosa" que o analisando poderia vir a se tonar mais autêntico e sujeito de si mesmo. Falar com a criança, e não da criança, é o que poderia promover a cura nesses acontencimentos encobertos. Isso só de daria através da regressão, onde o adulto se permitiria adentrar numa posição de "crianceria" na análise, resgatando aspectos que ficaram perdidos no evento traumático.
Vai trabalhar nesta obra aquilo que seria as condições indispensáveis para que um processo psicanalítico possa ocorrer. Nos cinco capítulos vai discorrer sobre a importância das entrevistas iniciais, sobre a função do divã, sobre o tempo cronológico das sessões, sobre o dinheiro, e sobre as condições do fim de uma análise. Tudo isso será explicado detalhadamente pelo autor, o que auxilia muito principalmente aqueles que estão iniciando na clínica psicanalítica. O que mais me chamou a atenção na leitura, foi a posição lacaniana sobre a travessia da fantasia, que todo analisando precisa ser submetido para vir a se tornar analista. Isso significaria uma espécie de destituição do próprio sujeito, onde ele passasse a não se identificar mais com os outros da sua vida e nem ser alvo das projeções do mundo. Ao fazer este atravessamento haveria uma espécie da vazio, de buraco, de falta necessária, de aceitamento da castração, onde a fantasia, que todos nós nos agarramos para viver, não estaria mais disponível. É somente a partir dessa espécie de neutralidade pura e genuína que estaríamos aptos a nos transformarmos em analistas de fato.
Narra a história de três pessoas e de uma traição. Mostra a capacidade que o ser humano tem de se alienar para que tenha embasado aquilo que de fato acredita. A cartomante aparece aqui como uma espécie de analogia às promessas de auto ajuda do mundo contemporâneo, como forma de se desresponsabilizar da própria vida e do próprio destino. Ao acreditar na cartomante e não na própria intuição, o casal de "traidores" acaba morto.
Esclarece, nesse pequeno artigo, o que Lacan estava querendo dizer ao se referir ao desejo de analista. Que seria aqui a função de se manter atento ao inconsciente do paciente, sem colocar as suas questões em jogo. De abdicar da posição de sujeito suposto saber, não aceitando jamais se colocar diante daquele na posição de aceitar a demanda de ser amado. Produzindo a castração e mantendo a falta, requisito para que o desejo aconteça.
Percorrendo a obra lacaniana, vai construir uma historicidade desde os momentos de resistência sobre a qual surgiu a Psicanálise até a Ideia propriamente dita de inconsciente. É nessa posição de sustentação de um saber que transcende o próprio sujeito que se dará a atuação do psicanalista. É desprovido de qualquer referência de como agir - baseado nos preceitos sociais - que o desejo poderá se manifestar. É nesse buraco, nessa fenda, onde não cabem noções de valores, de certo e errado, que a análise acontece.
Retoma e discute alguns dos principais tópicos lacanianos sobre o tema. Deixa claro toda a crítica que os lacanianos tem em relação a à posição identificatória do analista em relação ao paciente, utilizada por algumas vertentes psicanalíticas modernas. Parte do príncipio de que o caminho da cura somente pode se dar por essa posição sempre desejante do analista de nada saber e de eterna provocação para que a transferência e o desejo do analisante aconteça. Toda e qualquer posição contrária causaria uma espécie de fechamento, de tamponamento, de certeza e não de abertura para o inconsciente. O material precioso utilizado pelo psicanalista é a produção de um certo vácuo, de um espaço, que permite com que o paciente continue se buscando e se construindo nessa busca. Reafirma, constantemente, ao longo do artigo o equívoco em se produzir respostas, conselhos e um saber que desabona o tão necessário não saber, veículo indispensável da análise.
Abdicar da posição de sujeito suposto saber é preciso. É só na possibilidade de ausência de si mesmo e do próprio Ser que podemos ser afetados e contaminados pelo saber que vem do outro. É nessa posição de alteridade que uma psicanálise pode se dar.
Vai fazer uma espécie de resenha sobre a vida moderna e do imperativo que recai sobre todos nós, no sentido de termos que dar conta de sustentar um modo de viver que na grande maioria das vezes não condiz com as nossas reais capacidades e modo de ser. Traz algumas reflexões, psicanalíticas por natureza, referente as nossas faltas e desejos. Uma leitura fácil, rápida e prazerosa.
Um dos primeiros escritos do jovem Dostoiévski. Parece mais uma conversa entre um casal neurótico e histérico. Trás passagens e falas bastante interessantes que nos fazem pensar sobre as escolhas e os destinos de cada um nessa vida. Da importância de se viver os pequenos momentos, sem maiores expectativas e ambições. E do quanto somos traídos pelo INCONSCIENTE, escolhendo caminhos que inevitavelmente nos levarão a frustrações e fracassos. Publicado em 1848, antes da sua prisão.
Um conto crítico de Dostoiévski para responder aos seus críticos. Bola uma conversa entre os mortos, bem ao estilo carnavalesco, onde narra a hipocrisia e as incoerências da sociedade russa. Ressoa atualmente de forma um tanto moderno e realístico. Publicado em 1873, no Diário de Um Escritor.
Um dos capítulos do livro "Tudo começa em casa" publicado por Winnicott no início da década de 70. Uma leitura extremamente rica e necessária para os dias atuais, pois, nela, o autor vai discorrer sobre o os fundamentos daquilo que constituiria, de fato, um sistema democrático e toda a influência que a família e aquilo que ele chama de "pessoas comuns" exerceriam para que essas bases possam se fundamentar. Segundo o autor, não há a mínima possibilidade de termos uma sociedade essencialmente democrática sem levarmos em questão as motivações inconscientes dos seres humanos e tudo aquilo a que uma pessoa é submetida em seu longo processo de criação e amadurecimento. Ou seja, diante de uma sociedade (e obviamente, de pais) tão dissociados e alienados diante do seu próprio SER, como pensar em indivíduos em sua plena maioria amadurecidos e desenvolvidos a ponto de se conceber uma real democracia? Um sistema ditatorial, para Winnicott, seria o caminho mais óbvio e ligeiro, diante do cenário atual em que nos encontramos.
Obra indispensável de um autor junguiano pós moderno. Neste livro vai ampliar muito a concepção de suicídio, fazendo várias críticas em relação ao modo em que isto é tratado atualmente e de como, inclusive, a psicologia, a psiquiatria e a própria psicanálise abordam a questão. Tomando como referência a teoria de Jung, vai mostrar que ao contrário do que se imagina, o suicídio é muito mais uma metáfora para um desejo de transformação do que propriamente para pôr um fim em tudo. Atribui que o analista precisa estar preparado e antenado diante dessa situação, pois se tomar o discurso moderno de evitamento e/ou prevenção do suicídio cairá num erro tremendo que acabará impossibilitando qualquer possibilidade de um processo analítico realmente ocorrer. Vai perpassar muito o tema proposto incialmente na obra, sendo, ao meu ver, uma espécie de manual que todo psicoterapeuta deveria ler; temas essências serão tratados ao longo de toda obra, sempre margeada pela questão do suicídio (visto aqui muito mais como uma possiblidade de vir a ser do que qualquer patologia ou loucura).
Professor da UFSC, vai retomar as base do texto de Candido para pensar em que pés anda a literatura atual. Parte do princípio de que as ideias contidas em 1988, época em que as reflexões de Candido se deram, permanecem extremamente atuais. Principalmente diante da reinvestida do fascismo em nossa sociedade. Faz uma longa análise sobre as questões do capitalismo e da busca pela imagem como forma de "agilizar" e imediatizar a produção de conhecimento e que, obviamente, termina numa superficialização e numa perda daquilo que somente pode ser produzido pela boa literatura, principalmente no que diz razão ao pensar com a própria cabeça e refletir sobre aquilo que se leu. É como se, mais do que nunca, não se buscasse ler pelo prazer estético das grandes obras, mas somente em função do que aquilo teria a me fornecer a níveis de conhecimento, e de preferência aplicáveis no cotidiano. Defende o autor que é somente através da conservação da memória do que fomos, do que somos e do que ainda podemos vir a ser (tudo isso mediado pela vivência literária) é que podemos nos manter humanizados e em contato com as bases fundamentais que nos constituem. Quem não registra a história do seu povo, e não a conhece, está fadado a ser manobra política de qualquer um.
Artigo do excepcional professor da USP, Antônio Candido. Nesse belíssimo texto vai defender a tese de que todas as pessoas, independente da classe social em que se encontram, deveriam ter direito ao estudo e a leitura das grandes obras literárias. E que elas deveriam estar inclusas nas "cestas básicas" da população. Em tempos onde prepondera a ignorância e o desincentivo à cultura, as palavras do professor são mais necessárias do que nunca e um alento, pois são contrárias a qualquer divisão entre classes e aponta a capacidade delas em usufruir de toda e qualquer modalidade artística. E não apenas pelo conhecimento em si que está contido naquilo que se lê, mas pela própria formação estética do texto que conversa com partes intrínsecas e desconhecidas de nós mesmos. Para quem tiver disponibilidade para acompanhar o raciocínio do texto, será convencido, definitivamente, de que a literatura é tão necessária quanto se alimentar. Aliás, ela é o próprio alimento que nos possibilita, de fato, a nos tornarmos humanos.
Traz, nesse pequeno conto, uma crítica subjacente ao nosso modo de ser na vida, à nossa vaidade. Só conseguimos Ser algo quando estamos escondidos atrás de nossas fardas, de nossos títulos, de nossas profissões. Quando somos obrigados a olhar-nos “de frente” sem todos os apetrechos e sem ninguém para nos elogiar e vangloriar caímos no mais completo desespero e tudo perde o sentido. Temos todos muita dificuldade em viver a vida como ela, na sua essência. Mas não só isso, mas de como distanciados de nosso mundo interior, alienados na busca de gratificações externas e mundanas, acabamos por nos tornarmos não humanos, desprovidos de afeto e sensibilidade, não se importando com nada que não seja apenas nós mesmos. Como estar bem, ser bem sucedido, sem perder a sensibilidade em relação ao mundo? É, ao meu ver, um pergunta que fica. E você, vive se escondendo por trás de qual "farda"?
Ao contrário de Freud, Winnicott vai pensar o inconsciente muito além do sentido de recalcamento. Para o autor inglês, o inconsciente não é somente aquilo que não pode ser incorporado à consciência em virtude de dores fundamentais, mas todas as vivências que não puderam de alguma forma serem experienciadas na vida de uma pessoa, desde a mais tenra idade; da capacidade de representar até a impossibilidade de pensar sobre. Ou seja, o inconsciente já existiria anteriormente ao próprio recalque. Segundo o autor, o que necessitaria acontecer na relação terapêutica seria a possibilidade de que acontecimentos possam ser pensados e vivenciados, para que um posterior recalque, em alguns casos mais graves, possam vir a acontecer.
Desenvolve o texto tentando mostrar e provar que, para Winnicott, o conceito de pulsão de morte é um erro. Não acredita que um ser humano viva para buscar o prazer ou para aplacar a energia do seu psiquismo. Mas que todos os gestos e movimentos de uma pessoa visam exclusivamente estabelecer as condições originárias onde acabou fixada, em função de grandes ou pequenos traumatismos. Seria então, a partir desse momento, que uma tentativa de retomar e transformar aquela determinada situação impossível de ter sido administrada, em função da impossibilidade de pensar e digerir o evento, poderia ocorrer. É nisso que consistiria o trabalho terapêutico; buscar o ponto, anterior a falha, para que o processo de desenvolvimento e amadurecimento possa ser retomado. É nessa tentativa de um controle onipotente da situação traumática que um novo despertar pode ocorrer.
Vai propor, neste trabalho, que, ao contrário de Freud, para Winnicott, a compulsão à repetição é uma tentativa de o sujeito retomar do ponto em que ficou preso em seu desenvolvimento emocional. Não se trataria aqui de algo no sentido da pulsão de morte, onde repetições doentias e destrutivas ocorreriam como forma de se proporcionar as mesmas dores e sofrimentos do passado, mas uma tentativa salutar de “refazer” ou “reconstruir” uma história de um modo diferente de outrora.
Nesse belo artigo, encontrado na obra "O ambiente e os processos maturação", Winnicott discorre sobre a importância dos cuidados do ambiente no processo de desenvolvimento da criança, assim como do terapeuta em relação ao paciente. Parte do princípio de que, diferente de outras linhas psicanalíticas, a regressão a uma dependência é fundamental para que se possa encontrar o ponto da "falha" para que o paciente possa prosseguir o seu processo de desenvolvimento. É o terapeuta que ficará imbuído, agora, de fornecer aquilo que não fora possível outrora pelos genitores. Falhar nesse processo pode significar um prejuízo irreversível para a vida do paciente.
Uma obra que fala de rebeldias. O personagem principal não consegue se adaptar à sociedade atual, vivendo dilemas e conflitos que lhe impedem de compactuar com as coisas que acontecem ao seu redor. Traz uma forte base psicanalítica e várias reflexões em torno das pulsões que regem a vida de todo ser humano. Enfim, ele acaba sendo "salvo" pelo encontro com uma moça que lhe ensina no que consiste a grandeza da vida. É nas alegrias, no permitir-se, no deixar-se levar e guiar através do amor, que um novo sentido pode ser conquistado. O livro virou um verdadeiro clássico da literatura, muito aclamado pela crítica.
Autor winnicottiano. Vai falar sobre o quanto transformamos/invertemos o conceito de loucura e normalidade no mundo atual. Ou seja, os loucos mesmo são exatamente aqueles que vivem o neoliberalismo em sua essência. Nesse sentido, os normais seriam aqueles que de alguma forma conseguiram se desprender dessas obrigações de ter dinheiro, sucesso e fama a qualquer custo. Em suma, normais seriam aqueles que são vistos pela sociedade como loucos e que mantem vivo em si fundamentos do humano. Li duas vezes, gostei muito e praticamente marquei todo o livro.
Umas das principais, senão a principal, biografia de Renato. Vai trazer exatamente toda as faces do ídolo. Seus problemas com as drogas, com o HIV, seu lado negro (impulsivo, caótico, rebelde). Sua paixão por literatura (Proust), etc. Dá para fazer algumas várias ligações com a psicanálise. Gostei bastante e está cheia de marcações.
Traz algumas reflexões interessantes e dicas práticas de como agir em determinadas situações, principalmente naquilo que se refere à prática de empreender no mundo digital. O que mais me chamou a atenção é a forma de abordar pessoas de sucesso, de uma forma insistente, sem jamais desistir. Tem algumas sacadas legais que dá até para relacionar com a psicanálise, mas no todo o livro é muito chato e utiliza um vocabulário extremamente neoliberal, sem levar em conta aspectos muito mais complexos da condição humana. Terminei a leitura na raça!
Entrelaça a história de quatro pessoas e mostra o quanto a vida é muito mais complexa do que se imagina ser. Quando se acha que tudo está indo bem, quando se pensa que se conquistou aquilo que tanto se queria, a outra face da moeda aparece. No fim, a vida é puro sofrimento, opressão e uma luta diária para conseguir se manter “bem” e inteiro. Lançado em 1982. Li duas vezes.
Vai tratar do seu sofrimento como sobrevivente do campo de concentração nazista e de como utilizou o sofrimento como meio de se manter vivo. Vai defender a tese de que precisamos honrar a nossa dor transformando ela em vocação de vida. E que se tivermos a capacidade de nos mantermos conscientes, com um objetivo na vida, somos capazes de suportar qualquer coisa. Toda a sua teorização e forma de tratamento tem como meio buscar o sentido de vida de uma pessoa. É o que ele vai denominar de Logoterapia e que tem suas raízes na psicanálise. Lançado em 1946. Li duas vezes.
Que livro genial! É um romance francês. Utilizei-o para gravação de um vídeo no meu canal sobre o sentido da vida: “afinal, para que vivemos?”. Vai narrar a história de um personagem que era executivo (arrogante e prepotente) e se mete num acidente de trânsito. A partir daquele momento começa a se dar conta das coisas que realmente importam na vida e que até então lhe passavam despercebidas. É trágico e muito engraçado ao mesmo tempo. Utiliza diálogos internos, monólogos e reflexões lindíssimas. Faz a gente perceber que tudo que importa para nós está a nosso dispor a todo o momento e sequer nos damos conta. Também mostra a hipocrisia do mundo em que vivemos. Me lembrou muita da obra “A morte de Ivan Ilitch" do Tolstói que aborda mais ou menos a mesma temática. Assim como "O último dia de um condenado” de Victor Hugo. Lançado em 1968. Li duas vezes.
Faz uma crítica ao texto freudiano sobre “Os arruinados pelo êxito”. É uma contribuição importantíssima para a clínica psicanalítica. Acrescenta e discute sobre como estes pacientes tendem a se comportar diante do analista e da análise, levando a mesma a nunca progredir, pois qualquer avanço pode ser sentido como um ataque monstruoso ao seu narcisismo. Precisam sempre se manterem numa posição “doente” e não usufruindo absolutamente de nada, tendo que manter assim o status quo, que serve como defesa perante angústias insuportáveis. Li diversas vezes o artigo em diferentes momentos da minha vida profissional e pessoal. É interessantíssimo e uma leitura extremamente deliciosa.
De fácil compreensão, bem explicado, mas ao mesmo tempo denso e pesado. Vai mostrar como o psicanalista, que utiliza Lacan como referência de trabalho, se comporta. Também vai traduzindo aspectos fundamentais da nossa constituição. A última parte sobre perversão para mim foi a mais chata e difícil de ler, já que este grupo psicopatológico não me desperta muito interesse.
Traduzindo o modo de trabalhar ferencziano, esta obra vai mostrar que o mais importante, inicialmente, em qualquer trabalho terapêutico, é detectar aqueles aspectos iniciais de um ser humano que não foram supridos, ou seja, a falta de um ambiente capaz de fornecer à criança as condições básicas para poder Ser. E é isso que necessariamente vai precisar acontecer num trabalho terapêutico e é esta posição que o analista vai precisar encarnar: se colocar numa posição de fornecer aquilo que o ambiente inicial não foi capaz. Nesses casos, a regressão é muito bem vinda e necessária.
Vai tratar sobre a neurose obsessiva a partir da teoria lacaniana. Para esta autora, o obsessivo está ligado simbioticamente a uma mãe que engolfa quase que completamente a criança. Descarregando as suas frustrações com o marido em cima dela e tomando-a como substituta do seu homem. A criança fica assim a vida toda com essa sensação de ter que viver para a mãe, não podendo ter uma vida própria e carregando sempre em seu intimo essa sensação de ter que salvar a mãe e que esse espaço jamais pode ser liberado para outra pessoa. Nesse sentido, o tamanho do apego pela mãe mostra também o tamanho do ódio que tem por esta, já que sua vida está completamente limitada por essa influência. Os ataques obsessivos podem ser assim uma forma de conter em si todo o sadismo que poderia ser dirigido ao mundo externo e a esta mãe perversa.
Um livro gostoso de ler. É escrito pela ex companheira de Lacan. De forma muito transparente vai trazer aspectos da personalidade dele, desde a sua dimensão mais restrita e soberba até seus aspectos mais simples. Além de ser um cara extremamente curioso, direto e sem papas na língua, também se mostrava extremamente fechado em si mesmo, onde os outros tinham que se adaptar para não incomodar. Claramente esta mulher se submetia para poder permanecer junto à ele. Viajavam muito, comiam em restaurante chiques, e faziam visitas com pessoas da alta sociedade. O cenário de fundo se dava em belíssimas cidades da Itália e França. Lacan parecia um homem que encantava por onde passava. Li duas vezes.
Li duas ou três vezes já. Nasio vai abordar toda a constituição do psiquismo humano aqui e de como ela acontece. Vai mostrar que a repetição é a matéria prima do nosso inconsciente. Que exatamente tudo que somos hoje é fruto de nossa história. Um livro imprescindível para quem trabalha com a psicanálise.
Li duas vezes. Diálogos interessantíssimos entre o criador da psicanálise e um pastor protestante. Apesar de defender lados opostos (mas não tão opostos assim) os dois mantem um interesse e admiração mútuos. Pfister vai brincar com Freud dizendo que ele é mais religioso do que imagina, pois afinal busca a compreensão da verdade humana e tem valores religiosos que faltam para muito religiosos. São cartas trocadas em meio a confecções das principais publicações psicanalíticas o que traz comentários e adendos sobre as obras que são muito curiosas e inéditas.
Um livro que trata sobre a psicossomática. Para este autor, que concorda com Groddeck, toda e qualquer doença tem seu componente inconsciente. E vai mostrar nessa obra que em toda a doença se oculta uma história que não pode ser apropriada em virtude do sofrimento que carrega. Não tem nada aqui de falta de representação e simbolização (e bla bla bla), o que importa mesmo é poder perceber que onde falha o humano e a consciência, entra a doença como meio de apresentação de algo que ficou fora do registro do humano. Publicado em 1987.
Li duas vezes. Um pequeno livro que nos faz refletir do quanto gostamos de ser escravizados e depender dos outros. Não queremos ser livres, mas sim viver na dependência e no conforto de poder contar com o outro sempre e a todo momento. A oferta de liberdade é desesperadora. Publicado em 1577.
É uma tese de doutorado. Um livro pequeno, direto, mas complexo. Vai mostrar um pouco dos tempos em que vivemos e da dificuldade em podermos dialogar e nos fazer compreender, tanto nas esferas sociais, política e clínica. Do quanto estamos rodeados da mais pura estupidez em todos os aspectos.
Publicado em 1829, vai lutar contra a pena de morte. Traz a narrativa de uma pessoa que foi condenada a guilhotina por alguma coisa que assume ter cometido, mas que não se fala o que é. Vai tratar dos momentos em que está na solitária aguardando a morte (e que é a própria narrativa do livro escrito a punho por ele) até o momento derradeiro. Traz toda uma reflexão da época, desde a hipocrisia e da diversão que era ver alguém sendo morto, até o sofrimento onde a guilhotina falhava e a tortura que era, onde o acusado acabava sendo assassinado. Cheguei nessa obra a partir de uma nota do Livro O Idiota, onde Dostoievski fala da obra. Aborda em algumas páginas do quanto ser guilhotinado seria mais sofrível do que ter uma doença terminal ou ser jurado de morte, pois nestas sempre há a esperança de poder sobreviver. Como fica a alma, qual o sofrimento psíquico de quem sabe que não tem saída e só basta contar os dias? Outro autor (que não lembro o nome) discordaria: “a morte é algo muito sério para não poder vive-la integralmente. Não quero morrer sem saber que vou morrer”.
Um dos melhores romances que já li. Li duas ou três vezes. Vai narrar os últimos dias de alguém condenado à morte por uma doença terminal. Alguém que começa a perceber a hipocrisia do mundo ao seu redor e das coisas que realmente importam e que até então não dava valor. Sofre muito por ter vivido tão dissociado assim da vida como ela é. Uma bela reflexão para a superficialidade dos nossos dias atuais. Gravei um vídeo sobre o livro no meu canal (pode ser acessado na aba "vídeos" aqui no site).
Baita obra. Supérfluo não é no sentido de fútil, mas no sentido de não se adaptar, de rebeldia, quase como uma ironia igual Dostoiévski faz com “o idiota”; de alguém que não compreende o mundo em que vive, que não consegue ver sentido em nada e que carrega um vazio dentro de si. O ponto alto fica para a análise feita ao final da obra pela tradutora, onde faz várias relações (psicanalíticas) sobre a vida familiar do personagem (e do autor) e o rumo que a sua vida tomou e que a partir disso que a história/obra se construiu. Publicado em 1850.
Sobrevivente do Holocausto. Esse Eu que tentamos acreditar que existe não passa a ser nada mais do que uma construção que é feita, mas que não tem o poder de nos fazer compreender em relação a nós mesmos. Nesta obra, muito mais poética do que qualquer outra coisa, o autor vai mostrar que se nos encapsularmos em uma explicação coerente sobre nós mesmos, a chance de não tolerarmos as nuances da vida cotidiana e real são enormes, com a consequente possibilidade de adoecimento emocional.
Transforma em romance a sua história pessoal. Quando menino foi enviado aos campos de concentração nazista e a partir dali teve a sua vida praticamente impossibilitada. É considerado um dos poucos livros não sensacionalistas sobre o holocausto. Narra que a perda de brilho e de graça na vida contaminou a todos. E tudo aquilo que viviam virou algo normal, natural, sem esse peso de sofrimento que é narrado pela história de quem vê de fora. Desde então, e até hoje, a sensação de que a vida não tem graça e de que é preciso arrumar uma forma de viver sempre o acompanhou. Transformou seu sofrimento em escrita e esta obra lhe deu o prêmio nobel de literatura, mas nem isso trouxe alegria a sua vida. A sensação de não pertencimento e de não fazer parte do humano ficou encravado em seu modo de ser.
Uma leitura bastante transformadora para mim. Nosso desejo é extremamente complexo e decifrá-lo, compreende-lo, é praticamente uma utopia. Pois é esta insatisfação, incompreensão, que nos mantem caminhando e em busca. A gente muitas vezes sabe o que não quer, mas nunca o que de fato quer. E mesmo quando parecemos encontrar aquilo que achamos que podemos querer é preciso cuidado, pois podem ser idealizações que não estão ligados à nossa maneira intrínseca de ser. É preciso prestar atenção mais aos acontecimentos que ocorrem na vida de cada um do que propriamente ao discurso falado. E ainda, será que somos capazes de sustentar a nossa maneira singular de ser na vida? Conseguimos bancar essa condição para poder viver em sociedade? Obs: dar uma olhada nos artigos do autor citado nas referências.
Livro interessante, mas que entregou menos do que pensei que fosse. O título não é coerente com o que soa ser o tema do livro. Fala muito mais do projeto do autor do que do tema em questão, o que faz o título soar sensacionalista. A verdade psicanalítica de que padecemos de algumas coisas para esconder outras é sabida, porém, não foi detalhada de forma mais profunda pelo autor. O que fala bastante e de forma interessante é sobre a responsabilização do próprio modo de sofrer, de como o sujeito precisa ser responsabilizado por.
Pode ser traduzido como "pobre gente" também. Pois é disso que vai falar, de pessoas com poucas condições financeiras e repertório emocional. Gente que dá pena! Que é obrigada a se submeter aos outros para poder dar conta da vida e sobreviver. E claro, daqueles que abusam dessa posição e estão sempre submetendo e se aproveitando diante dos mais necessitados e frágeis. Narra a história principal de dois personagens que trazem fortes traços do par obsessivo-histérica e suas nuances tão familiares para os que praticam a psicanálise. Publicado em 1846 e é o pontapé inicial nas obras de Dostoiévski. Li duas vezes.
Esta obra que para mim é uma das melhores de Dostoiévski, vai trazer dois contos (A dócil e o O sonho de um homem ridículo). No primeiro conto, publicado em 1876, se narra a história de uma menina indefesa e que é submetida a um comerciante que decide se casar com ela, mas que no fundo é tão ferrado quanto ela. Ele gosta de se sobrepujar a ela e não suporta a ver bem. No fim ela se suicida, pois parece não suportar mais aquela vida. E ele, próximo ao corpo dela, se culpa e se tortura ferozmente. O segundo conto, publicado em 1877, conta a história de um homem que decide tirar a própria vida, mas que acaba dormindo e sonhando com um mundo utópico de pessoas boas. No entanto, no sonho se dá conta que ele acaba por perverter esse mundo feliz com as suas questões pessoais. Como de costume, tem sempre a questão da contradição e da hipocrisia nas obras de Dostoiévski. Li diversas vezes.
Uma leitura divertidíssima. Narra a história de Luís, uma pessoa extremamente angustiada com a situação precária e de necessidade em que vive. Se apaixona por uma moça simples, que é criticada pelos pais devido a sua futilidade, e que acaba fazendo “gato e sapato” do pobre homem. Seu desejo por grandeza lhe coloca em situação pior da que já estava. E o pior, acaba traindo Luís com o “chefe” dele, que ele tanto odeia. A narrativa é cheia de ironia e gracejos. Ri e me diverti muito. Lembra muito a narrativa das grandes obras, principalmente as de Dostoiévski. O desejo inconsciente de morte e a angústia frente ao impossível da vida perpassa toda obra. A corda que é símbolo do “acabar com tudo” num piscar de olhos, mas também de um vir a ser. Ao final, ele comete uma assassinato com a tal corda e deixa a nós leitores extremamente angustiados, junto com ele, por não saber como tudo termina (o final é coerente com o título e com o restante da obra toda, ou seja, terminamos - e permanecemos - angustiadíssimos). Li duas vezes.
Leitura de grande complexidade, pois é utilizado vocabulário do sertão, o que é praticamente ininteligível para quem nasceu e cresceu na cidade. Mas, apesar da dificuldade de conclui-lo, e após longos meses insistindo, consegui. Narra a história de uns sertanejos que vão saracoteando de lugar a lugar, desbravando a terra, como se fossem nômades. Enfrentam diversas dificuldades, muitos morrem pelo caminho, outros ficam gravemente feridos, as batalhas são muitas, mas ao final o que permanece é a sensação de que a vida é feita pelas amizades, pelos bons encontros e pela capacidade de poder usufruir da travessia. Fala muito sobre as nossas dificuldades contemporâneas.
Se propõe a analisar o marco que foi a obra de Dostoiévski na literatura mundial. Funda assim o conceito de polifonia, que seria a capacidade se utilizar de várias vozes para compor uma pessoa. É dessa forma que se destacariam as personagens dos romances dostoiévskiano: não retratariam simplesmente opiniões pessoais do autor, mas utilizariam as suas vozes para representar a complexidade do mundo. Até então se acreditava que uma obra representaria tão e simplesmente as projeções do autor depositadas nela. A partir de Problemas da Poética pode se compreender que um autor poderia utilizar a sua escrita para representar coisas que estão fora do seu mundo e da sua representação psíquica, onde os personagens falam por si mesmos e encarnam as dores do mundo. Ou seja, uma revolução na forma de se compreender e interpretar a escrita literária.
Um livro que no início é muito bom, mas que depois vai se tornando chato porque parece perder o foco do que se propõe (ao estilo das obras de Forbes). Mas a grande mensagem que traz inserida é: nos tornamos uma coisa, mas pela natureza de nosso psiquismo, desejamos o tempo todo outra coisa.
Alguns trechos em destaque:
a) “Talvez precisemos pensar em nós como indivíduos que levam constantemente uma vida dupla, aquela com a qual sonhamos e aquela que praticamos; aquela que jamais acontece e aquela que segue acontecendo.”
b) “Nossas vidas não vividas – aquelas que vivemos na fantasia – são com frequência mais importantes para nós do que aquelas que chamamos de “vidas vividas”, e não podemos (nem temos a capacidade para tal) imaginar a nossa existência sem elas;”
c) Quando nos frustramos, a vida não vivida se torna encantadora; a vida não vivida com os desejos realizados retorna como uma possibilidade.
d) “Penso que nada seja tão importante quanto aquilo que jamais aconteceu.”
e) Estamos sempre buscando uma alternativa à mudança, ou a ser expostos a ela. A questão da frustração, que remonta aos primórdios do homem, é a questão da transformação. Tudo depende do que fazemos em vez de mudar.
f) Pragmático: presume um sujeito pré-constituído, uma pessoa sem um inconsciente; uma pessoa que, por saber o que quer e precisa, sabe também o que está fazendo e, portanto, só precisa elaborar o meio de obter a satisfação; e, se necessário for, como demonstra a história de Lear, precisa encontrar um meio de tolerar a não obtenção.
g) Saber o que se quer é uma forma de não se expor à mudança; fabricamos certezas com o intuito de preencher o vazio (completamos o que falta criando estados de convicção).
h) E a satisfação não é a solução para a frustração, assim como a certeza não é a solução para o ceticismo.
i) Você desejava alguém, sentia-se privado de algo, e então, de repente, parece que aquilo está ao seu alcance; É como se, estranhamente, você estivesse esperando por alguém, mas não soubesse a identidade da pessoa até ela chegar. Consciente ou não de que faltava algo na sua vida até então, você saberia disso, nesse momento, quando encontrasse a pessoa que deseja; a pessoa por quem você se apaixona é realmente o homem ou a mulher dos seus sonhos; que já a havia idealizado antes de conhecê-la; e que ela não surgiu do nada – pois nada surge do nada –, mas, sim, de uma experiência anterior, tanto real quanto almejada; Você a reconhece com tanta certeza porque, de alguma maneira, já teve contato com ela; e porque vinha esperando por essa pessoa. Sente como se já a conhecesse desde sempre, mas, ao mesmo tempo, ela lhe é estranha. São corpos familiares estranhos. No entanto, uma coisa é bastante perceptível nessa história básica; que, por mais que você já desejasse, e esperasse conhecer a pessoa de seus sonhos, é somente quando a conhece que começa a sentir sua falta. Pois é necessária a presença de um objeto para que sua ausência seja sentida. Uma espera infindável pode ter precedido sua chegada, mas é preciso conhecer a pessoa para sentir plenamente a força da frustração diante de sua ausência; Pode-se dizer que, antes de conhecer o homem ou a mulher dos seus sonhos – ou qualquer uma das paixões de sua vida –, você vinha sentindo um tipo de frustração difusa; e o que fez ao encontrar o objeto milagroso foi localizar a fonte de sua frustração; Apaixonar-se e encontrar sua paixão são tentativas de localizar, de visualizar, de representar aquilo que o faz, inconscientemente, se sentir frustrado. Nesse sentido, estamos constantemente tentando encontrar e compreender o que nos falta, do que precisamos, ou seja, buscamos identificar nossa carência;
j) A pessoa ideal em nossa mente torna-se um refúgio para as relações mais reais que temos com pessoas mais reais ainda.
k) Quatro tipos de frustração: aquela em que nos sentimos privados de algo que nunca existiu; a que nos faz sentir privados de algo que nunca tivemos (existindo ou não); a frustração de sermos privados de algo que já tivemos; e, por fim, a frustração de sermos privados de algo que já tivemos, mas que não podemos ter outra vez.
l) Não conseguir uma satisfação desejada leva à possibilidade de uma satisfação mais realista.
m) A realidade é importante, porque é a única coisa que pode nos satisfazer. Somos inicialmente tentados a nos considerar criaturas autossuficientes, viver em um mundo de fantasia, viver dentro da mente, mas as únicas satisfações que existem são aquelas da realidade, que são, por si só, frustrantes;
n) As pessoas se tornam reais aos nossos olhos quando nos frustram; e, se elas não nos frustram, não passam de figuras fantasiosas.
o) Se outras pessoas nos frustram na intensidade certa, elas se tornam reais para nós, o que significa que serão pessoas com quem poderemos estabelecer uma troca; se elas nos frustram exageradamente, tornam-se reais demais, ou seja, perseguidoras, pessoas a quem tendemos a fazer mal; e, se nos frustram de maneira insuficiente, tornam-se figuras idealizadas, personagens imaginários, pertencentes ao campo dos desejos; aquelas que nos frustram em excesso tornam-se demonizadas, indivíduos que representam o pesadelo.
p) Green diz que os homens, “para construir uma imagem aceitável de si, são obrigados a negar ou desconhecer seus aspectos essenciais por meio de um processo de ocultação, para evitar a ansiedade”. se tivéssemos de reconhecer sem ressalvas nossos aspectos, talvez não fôssemos capazes de suportar a ansiedade que isso nos causaria. Somos, na verdade, algo que não temos condições de reconhecer. Esta é a questão (psicanalítica) que nos leva a concluir que não compreendemos porque não queremos. A única fobia existente é a fobia do autoconhecimento. Na imagem coerente e estruturada da natureza humana, que é a psicanálise, somos sempre assombrados por aquilo que somos.
q) Quais experiências se tornam possíveis ao assumir a não compreensão e de quais delas o fato de compreender, seja lá o que for, pode nos proteger.
r) Não era Winnicott que compreendia as crianças, mas elas que o compreendiam.
s) Pergunta não é simplesmente “por que estou fazendo isso?”. Trata-se também da questão menos metafísica – aquela que começa na família –, que é “para quem estou fazendo isso e o que, ao fazer isso, estou realizando para essas pessoas?”.
t) Não entender essa coincidência das palavras da mãe com a sua ação foi para ele uma angústia formativa da sua personalidade;
u) O sonho de encontrar pessoas com a “mesma cabeça” que a nossa é um sonho com um grupo de pessoas, ou com nosso par, no qual a possibilidade de não compreender – na verdade, a questão toda de não compreender – desaparece.
v) Toda tirania envolve uma suposta compreensão perfeita da necessidade do outro.
w) Compreender, seja um projeto ou uma realização, pode ser em si uma forma de evitar algo; de evitar, digamos, nossa solidão ou nossa singularidade, ou nosso interesse ou desinteresse não hostil sobre outras pessoas.
x) Em algumas situações, abster-se de compreender pode revelar mais, assim como compreender pode confundir mais; uma crença na possibilidade de estarmos sendo ludibriados pelas satisfações de se compreender e estranhamente animados pela perplexidade de não compreender. se você compreende a razão de estar com a pessoa com quem vive, então não está de fato com ela; se você quer estar com alguém que o compreenda, é porque prefere o conluio ao desejo, a segurança ao entusiasmo (que são muitas vezes coisas boas a se preferir, mas nem sempre são aquelas que mais queremos).
y) Mas seria o objetivo do tratamento psicanalítico melhorar a compreensão da pessoa sobre si ou libertá-la para o desejo? A vida considerada boa é aquela na qual eu compreendo tudo – até certo ponto, o que acontece dentro de mim e nos outros, quem sou eu – ou será aquela na qual eu não preciso compreender, pois a vida analisada seria intolerável? Há diagnósticos psiquiátricos para assegurar que não existem pessoas que não compreendemos. desejo de se comunicar afasta as pessoas. Se alguém conversa com as pessoas, diz ele, estas perdem o interesse, e, se as ignora – ou melhor, se as ignora ao escolher falar consigo mesmo –, elas se envolvem. A psicanálise é, na verdade, o tratamento que afasta as pessoas de sua compulsão por compreender e ser compreendidas; é uma “pós-educação” em não compreender. Conhecer as outras pessoas, conhecê-las, na linguagem psicanalítica, pode ser uma defesa contra justamente a possibilidade de tomar consciência de sua existência real e da necessidade que temos de sua existência. pode ser que o que uma pessoa realmente deseja saber sobre a outra seja, inconscientemente, o que a curará do desejo que sente por ela. Não conhecer alguém, não captar sua essência, torna-se imprescindível para a intenção de sustentar o desejo. O desejo de conhecer alguém – o desejo de compreender, seja um poema, uma pessoa, uma piada – é o desejo de suprimir, de amenizar a excitação antecipatória, ou até mesmo de se livrar do desejo por ele.
z) Estados de convicção são tentativas de controlar a excitação. Quando a não compreensão é o que se deseja – quando podemos nos conscientizar de que há áreas de nossa vida nas quais o desejo de compreender funciona como uma distração –, pode ser que tenhamos encontrado a forma de fazê-lo. Sair impunes, no sentido mais completo, significaria não sentir culpa, um desejo exorbitante a que teremos de voltar depois. Se Deus está morto, não significa que tudo é permitido. A nova moral do “sair impune”, vale lembrar, é um mundo aparentemente desprovido de culpa; um mundo no qual não há autoridades internalizadas, não há consciência, somente autoridades externas da parte de quem devemos tentar evitar a punição.
aa) A crítica é um palavrório sublimado; há algo irônico sobre a subordinação do crítico ao trabalho que ele analisa.
bb) Os mitos de decadência são os mitos do progresso invertidos.
cc) Sempre soube o que não queria, mas seu conhecimento somente o fez cético daquilo que pensava querer. Ele queria uma vida sem os estorvos da vida familiar. Saber aquilo que não se quer não significa saber o que se quer.